sexta-feira, 17 de junho de 2016

Álvaro de Campos


Era a face mais ligada ao modernismo e ao futurismo. Nascido em 15 de outubro de 1890, em Távira, Álvaro é engenheiro formado em Glasgow, mas não exerceu a profissão por não gostar de sentir-se preso em escritório.É um homem voltado para o presente e sua poesia buscava transmitir o espírito do mundo moderno. Teve três fases: decadentista, futurista e pessoal. Na fase decadentista há uma ligação com o simbolismo, um descontentamento, o tédio em relação ao mundo presente; na fase futurista vemos a ligação com o moderno e o tempo presente, que passava por modernização; na fase pessoal, vemos questionamentos sobre si próprio, descontentamentos e certo abatimento.

 1ª Fase - Decadentista
Nesta fase o poeta exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações (“Opiário”). Também o decadentismo surge como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio, o enfado, a náusea, o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Esta fase expressa-se como a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia, com preciosismo, símbolos e imagens apresenta-se marcado pelo Romantismo e pelo Simbolismo.
Citações que sintetizam a fase:
“E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter estas sensações confusas”
“E eu vou buscar o ópio que consola”
"É antes do ópio que a minha alma é doente"

2ª Fase – Futurista/Sensacionista
Esta fase foi bastante marcada pela influência de Walt Whitman e de Marinetti (Manifesto Futurista), nela, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina e da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma atracção quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode marítima” são bem o exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna. O futurismo nesta fase é visível no elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno! ”), na ruptura com o subjectivismo da lírica tradicional e na transgressão da moral estabelecida. Quanto ao Sensacionismo, este revela-se na vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de Caeiro), no masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente, / tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões…” Ode Triunfal) e na expressão do poeta como cantor lúcido do mundo moderno.
Citações que sintetizam a fase:
"Quero ir na vida como um automóvel último modelo"
"Quero sentir tudo de todas as maneiras"

3ª Fase – Intimista/Pessimista
A fase intimista é aquela em que, perante a incapacidade das realizações, traz de volta o desalento que provoca “Um supremíssimo cansaço, /Íssimo, íssimo, íssimo /Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado. Como temáticas destacam-se: a solidão interior, a incapacidade de amar, a descrença em relação a tudo, a nostalgia da infância, a dor de ser lúcido, a estranheza e a perplexidade, a oposição sonho/realidade – frustração, a dissolução do “eu”, a dor de pensar e o conflito entre a realidade e o poeta. O poema "Tabacaria", escrito em 1928 e publicado em 1933, é a maior obra da última fase de Álvaro de Campos.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
[...]


Algumas das obras do heterônimo Álvaro de Campos 

· Acaso
· Acordar
· Adiamento
· Afinal
· A Fernando Pessoa
· A Frescura
· Ah, Onde Estou
· Ah, Perante
· Ah, Um Soneto
· Ali Não Havia
· Aniversário
· Ao Volante
· Apostila
· às Vezes
· Barrow-on-Furness
· Bicarbonato de Soda
· O Binômio de Newton
· A Casa Branca Nau Preta
· Chega Através
· Cartas de amor
· Clearly Non-Campos!
· Começa a Haver
· Começo a conhecer-me. Não existo
· Conclusão a sucata!... Fiz o cálculo
· Contudo
· Cruz na Porta
· Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
· Datilografia
· Dela Musique
· Demogorgon
· Depus a Máscara
· Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados
· O Descalabro
· Dobrada à morda do Porto
· Dois Excertos de Odes
· Domingo Irei
· Escrito Num Livro Abandonado em Viagem
· Há mais
· Insônia
· O Esplendor
· Esta Velha
· Estou
· Estou Cansado
· Eu
· Faróis
· Gazetilha
· Gostava
· Grandes
· Há Mais
· Lá chegam todos, lá chegam todos...
· Lisboa
· O Florir
· O Frio Especial
· Lisbon Revisited - l923
· Lisbon Revisited - 1926
· Magnificat
· Marinetti Acadêmico
· Mas Eu
· Mestre
· Na Casa Defronte
· Na Noite Terrível
· Na Véspera
· Não Estou
· Não, Não é cansaço
· Não: devagar
· Nas Praças
· Psiquetipia (ou Psicotipia)
· Soneto já antigo
. Tabacaria
· The Times






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